O Dr. Altamir já viajou o mundo. Esteve em muitos países da Europa (adora esquiar), mas a região que mais gosta de visitar é a Ásia, sobretudo o Japão. Alguns lhe dizem que, escolhendo o ponto mais longínquo do globo, ele deve estar fugindo de alguma coisa. Mas o Altamir apenas ri.

— O Japão é fascinante. Precisa ver quando as cerejeiras estão florescendo!

Entre seus amigos médicos, o Altamir impressiona pelas suas experiências de turismo. Um dia ele até mesmo passou uma semana hospedado numa tribo da Ruanda. Não era perigoso, Altamir?

— Que nada. O difícil foi ficar sem internet. Povo muito receptivo!

O Dr. Altamir, porém, carrega uma frustração. Nunca pode salvar ninguém a bordo de um avião.

— Nem mesmo pude ajudar alguém com diarreia ou tontura.

O Altamir explica que todos os seus colegas e amigos — sem exceção — possuem histórias de quando puderam fazer valer o juramento de Hipócrates. Alguns já tiveram a experiência mais de uma vez — e tem o Tomás, claro, que já foi chamado quatro vezes durante voos. Uma vez até fez um parto num voo transcontinental. Claro, o Tomás é mais velho, está quase se aposentando, mas o Mauro não tem 30 e já teve seu momento de estrela.

— Muito injusto isso aí.

Mas, Altamir, o que você pode fazer? É questão de sorte, não é?

— Exatamente. E só tem um jeito de maximizar as chances: viajar mais.

Vai viajar sempre que puder então?

— “Viajar” é modo de dizer. Eu preciso estar numa aeronave.

Então nas próximas férias vai ficar pipocando de cidade em cidade?

— Cansei de esperar. Semana que vem faço 45. Estou deixando o consultório com meus parceiros e só volto quando houver alguma emergência a bordo!

O Dr. Altamir sempre teve uma obsessão ou outra, mas agora a família está preocupada. Após apenas duas semanas (e 112 horas a bordo), uma senhora desmaiou e uma comissária de bordo rapidamente solicitou que, se houvesse um algum médico a bordo, ele deveria chamar alguém da tripulação. O Altamir segurara o sorriso e controlara seu ânimo, mas, quando se apresentou, descobriu que outro médico havia chegado antes e já tomara conta da situação. O Altamir agora está com depressão e cancelou os voos vindouros.

A família quer ajudar, mas não sabe como. Sua esposa sugeriu que alguém fosse pago para voar perto do Altamir e fingir algum piripaque. Mas é arriscado, porque, se ele descobrir, pode piorar o caso.

Altamir, não é melhor deixar de lado?

— Jamais! A probabilidade está ao meu favor!

Altamir agora planeja concentrar-se em voos maiores, saindo do Brasil e indo para a Europa.

— Li que neste verão o número de intoxicações alimentares triplicou no Rio. É minha chance.