Um pouco mais no fundo
Existe uma lembrança
Daquilo que era antes,
Daquilo que não é mais.

Seguindo neste barco,
Rumando rio acima,
As cores vão sumindo
E tudo fica cinza.

Faz tempo já demais,
Por isso a vista embaça.
Não dá pra ver quem passa
Na margem desse rio.

No barco tem uma placa,
Mas, quando chego perto
Pra ler o texto escrito,
As letras vão sumindo.

Lembrar é desumano:
Se nem foi nessa vida
Que aquilo aconteceu —
A queda num tropeço.

Mas lembram quase todos;
É só fechar os olhos
E o rio subir sem medo,
Descendo para o fundo.

Não tem um bom motivo
Pra que isso seja assim;
Mas causas são mundanas —
Supérfluas no divino.

Não é metempsicose,
Não é religião;
Um pouco sim de Freud,
De Darwin e de Dawkins.

Quem lembra nem percebe
Que o gosto vem amargo,
Que o poço está vencido,
Que o tempo já passou.

Quem lembra algum culpado
Aponta sem demora;
Não é por mal, não é —
Melhor não podem ser.

O código nos genes
Os remos são do barco;
Mas a água é a raça inteira,
Com lodo, peixe, tudo.

Se a fonte existe mesmo,
Um dia desembarco,
A tocha tomo em mãos
E queimo a embarcação.