Segundo Nascentes, vaga-lume é um eufemismo de caga-lume. Existe um artigo inteiro [1], intitulado Censura Linguistica e Resistência Popular: O Caso do Vaga-lume, que trata do assunto.

O artigo diz que, dia 26 de fevereiro de 1696, vários intelectuais, como costumavam fazer aos domingos, reuniram-se na livraria do Conde de Ericeira (em Portugal, claro) e discutiram a questão do inseto luminoso. Rafael Bluteau foi quem relatou o seguinte sobre a discussão [2]:

“Ao insecto luzente, a que os Latinos chamaõ Cicindela, e Noctiluca; os Gregos Lamparis, e Pirilampis; os Italianos Lûciola [sic], os Francezes Ver luisant; e os Castelhanos Luciernega [sic], chamaõ os Portuguezes Cagalume; he nome que naõ póde usarse em papeis serios, e deve darselhe outro. Houve quem defendesse, que todas as linguas tinhaõ termos, que traziaõ maos equivocos; allegou os exemplos de Monarchie, Anarchie, etc. que em Francez tem má terminação. Assentouse dar nome ao insecto; propozse Pirilampo; achouse affectado; Fuzilete, e Vago lume se não admittiraõ; só pareceraõ bem os de Nouteluz, e Bicho luzente, e determinaraõ, que ambos podiaõ usarse.”

(Monarchie? Anarchie? Em francês, o verbo chier é “cagar”.)

O artigo argumenta que a vitória dos eruditos foi fazer com que, de fato, o caga-lume não fosse mais usado em papeis sérios. O povo teria, contudo, preservado o caga-lume bem vivo; eu, de minha parte, nunca ouvi ninguém falar caga-lume — o que não quer dizer muita coisa, claro. Por outro lado, é comum que palavras populares se percam e sejam substituídas por formas eruditas, mesmo quando nenhum conteúdo “obsceno” está em questão. A palavra flor, por exemplo, é erudita; com efeito, os encontros consonontais fl-, cl-, pl- tornam-se todos ch-: clavis vira chave, plaga vira chaga, flamma vira chama. E flor vira chor. Segundo Nascentes, um adágio foi encontrado em Portugal, que dizia “No tempo da chor, é cortar e pôr”. A forma erudita, introduzida sobre o povo, foi inclusive modificada por um tempo: dizia-se fror e frol, ainda segundo Nascentes. Ainda hoje alguns derivados se encontram, como chorume.

O caga-lume não tem chance.

  • [1] http://www.gel.hospedagemdesites.ws/arquivo/anais/1305636709_45.head_e_vieira.pdf
  • [2] http://purl.pt/79