A padaria Aquarius, em Biguaçu, tinha desenhado na fachada um aquário esférico com um peixe dentro. Ficava a uns 20 metros de casa e era a única padaria que tinha nas redondezas. Talvez dava para comprar pão no Dácio Cúrcio — aquele mercado com um ponto de ônibus na frente, que teve uma vez que uma menina desceu do ônibus, mas ela foi burra, como disse o Cristiano, porque ela saiu do ônibus e foi passar pela frente dele, e um carro estava ultrapassando o ônibus parado naquele momento, então ela foi atropelada e morreu (“Não fala assim de quem morreu!” foi o xingão da mãe do Cristiano) —, mas o Dácio era bem mais longe.

Eu disse assim ao jovem que estava cuidando da padaria:

— Um real de pão.

Não fazia muito tempo que o real tinha entrado. Um real comprava 14 pães.

— Vai levar um minuto.

Passou um tempo claramente superior a um minuto — crianças são literais — e eu avisei o moço de que um minuto já havia passado.

— Minuto de padeiro vale por dois!

Foi por aquela época que eu li na revista Nosso Amiguinho que teve um período na França em que os padeiros eram fiscalizados, e a dúzia de pães tinha que pesar tantos gramas. Os padeiros davam aos fiscais uma dúzia com treze pães. Lembro da cara de safado do padeiro no desenho da revista. A resposta do moço da Aquarius confirmou o estereótipo.

Um dia de noitinha eu estava na padaria e tinha na frente um carinha com cabelo comprido e barba cantando com violão. Não sei por quê, mas entramos na discussão de como é que pode que os nascidos nos Estados Unidos são simplesmente americanos — como se a América fosse só deles. Eu disse a ele que nós também éramos americanos.

— Nós somos latino-americanos.

E com um argumento toscão assim ele venceu o debate.

O pão doce deles era bom demais. Quando eu estudava no Tânia Mara, cujos muros ficavam ainda mais perto de casa do que a padaria, lá tinha quatro turnos por dia: matutino, vespertino, noturno e intermediário. A aula começava bem cedo, depois tinha o turno intermediário — o meu —, que pegava o almoço, e lá pela uma ou duas começava o vespertino. Eles serviam merenda lá, mas eu não achava muito apetitoso: era uma sopa com uns macarrões redondinhos que eles serviam numa caneca. Na época me contaram que aquela era a única refeição diária garantida de muita gente que ia na escola, mas eu não acreditei.

A mãe às vezes dava dinheiro e eu passava na Aquarius. Lá eu comprava uns dois pães doces e levava para a escola.

A Aquarius ficava ao lado de um riozinho de nada. Quando chovia, porém, o rio enchia e transbordava. Teve uma noite que choveu muito. O rio transbordou e alagou a casa da vizinha — da mãe do Binho — e alguns deles vieram dormir lá em casa, porque na casa deles só tinha água. A mãe do Binho falou que ela estava assistindo televisão e de repente a água começou a entrar pela porta. Foi tudo muito rápido. Até o muro da casa do casal 20 caiu para dentro do rio.

Naquela noite eu acordei de madrugada e olhei pela janela do meu quarto. A padaria tinha sido alagada também. O dono da padarinha era um cara mais velho, de bigode e cabelos meio grisalnhos. Nunca vou esquecer dele, na frente da padaria, água até os joelhos, olhando para a rua e balançando a cabeça de um lado para o outro. Tristeza.