Quando eu era pequeno, não entendia algumas coisas que os adultos falavam ou que eu ouvia nas músicas.

Coelhinho da páscoa

Naquela música do coelhinho da páscoa, eu não entendia (1990–1991) que havia um diálogo acontecendo com o coelho. O problema, creio, é que eu não conhecia ninguém que conjugasse os verbos na segunda pessoa do singular, então “trazes” não significava nada para mim. Lembro, na verdade, que eu cantava “trazens” e interpretava como uma forma alternativa de “trazem”, com um -s no fim: tão ausente era da minha linguagem a segunda do singular. O primeiro verso, portanto, eu interpretava assim: “o que os coelhinhos da páscoa trazem para mim?”

Como eu não via o diálogo, a próxima pergunta eu achava que fazia referência aos coelhos, não aos ovos, já que o coelhinho acabou de ser mencionado. Eu imaginava coelhos azuis, amarelos e vermelhos também.

As andorinhas voltaram

Tinha aquela música das andorinhas, que eu ouvia em algum momento em 1988 ou antes. Minha capacidade de entender linguagem poética ou abstrata era zero. Para mim, o adjetivo vinha depois do substantivo (exceto talvez em algumas expressões?): a casa bonita, a escada comprida, o ninho velho. Então dizer que as andorinhas pousavam no “velho ninho” não podia, para mim, significar que elas estavam pousando num ninho velho. Havia exatamente um caso em que o adjetivo “velho” vinha antes do substantivo: quando se estava falando de algum homem mais velho, tipicamente um patriarca. Falavam do “velho Motta”, do “velho Masochi”. Então a música só podia estar falando do velho Ninho!

E isso fazia muito sentido por que as andorinhas vieram “pousar no velho Ninho”. E “pousar” tinha o significado de “pernoitar” para mim. As andorinhas tinham vindo passar uma noite na casa do velho Ninho.

Expressões

Como eu desconhecia a segunda do singular, uma expressão como “podes crer” não era fácil de entender, ainda mais com a apócope do -r final. Eu entendia o significado: “é verdade”, “sim”, “com certeza”. Partindo do significado, eu concluí que só podia ser uma versão simplificada de “pode escrever”. É tão verdade que você pode, se quiser, escrever num papel.

Outra expressão complicada era “onde já se viu”. Eu conhecia, claro, verbos pronominais; lembro de uma ocasião em que me corrigiram quando eu disse que “eu se machuquei”. Mas o verbo pronominal “ver-se” já era demais. Em que outra situação alguém o usava? Eu achava que era uma palavra só, “siviu”, e nem mesmo entendia que era um verbo. Anos mais tarde, quando vi a palavra “civil”, até fiquei desconfiado.

Sístoles

Naquela música É o Amor, eles dizem “pedacinho de céu”, mas a sístole é tão forte que eu, lá por 1992, nem mesmo entendia que “pedácinho” poderia ser “pedacinho”.