Era mais ou menos 1991, eu tinha 6 ou 7 anos. No condomínio Europa. Eu tinha vários amigos por lá, mas raramente ia na casa deles, ou eles na minha. A gente brincava era na rua mesmo. Mas teve uma vez que eu fui na casa do Gustavo, que era o mais gente boa entre os amigos de lá. Nunca me bateu, nunca me assustou com centopeias. O Gustavo era magrinho, negro e morava no 2º ou 3º andar uns prédios mais abaixo de onde eu morava. Como dizia, fui na casa do Gustavo.

Ir na casa dos outros quando você é criança é uma experiência interessante, porque você começa a entender que cada família, cada lar é diferente. Na casa do Gustavo, por exemplo, tinha chocolate na geladeira. Lá em casa nunca tinha chocolate na geladeira. Não que a gente não comesse chocolate, mas você não abria a geladeira e simplesmente tinha um chocolate esperando lá. E o Gustavo disse que era chocolate branco. Eu nunca tinha ouvido falar em chocolate branco. Achei estranho, porque só tinha visto chocolate preto.

Uma hora o Gustavo disse que ia fazer um Nescau no liquidificador. Novamente me admirei. Quanta autonomia. Usar um liquidificador. Ainda para algo tão sem importância, como misturar leite e achocolatado em pó. O Gustavo colocou os ingredientes, bateu tudo e desligou o aparelho.

Quando foi guardar o liquidificador, porém, ele não conseguia tirá-lo da tomada. Apesar de toda aquela autonomia, o Gustavo também era criança e tinha força de criança. E cabeça de criança. Ele julgou ser uma boa ideia — e eu não disse nada — usar uma faquinha de cozinha para tirar o plugue da tomada. Assim, sabe, colocar a faquinha de metal entre os dois pinos que estão grudados na tomada e ligados à rede elétrica e puxar.

O estouro foi grande, e o clarão também. O cabo da faca — ainda bem que a faca tinha cabo de madeira — ficou com marcas pretas e a luz caiu. A faca talvez ele pudesse lavar bem ou jogar fora, mas a luz tinha caído. A falta de luz ele não tinha como esconder do pai. Digo do pai dele, não da mãe ou dos pais, porque acho que ele morava só com o pai, que tinha um Fiat 147. O Gustavo, chorando, decidiu que era melhor ligar para o pai imediatamente e avisá-lo do ocorrido. Ele fez isso e disse que o pai já estava a caminho.

Eu queria ir embora, porque estava com medo de estar presente quando o pai do Gustavo chegasse. Justamente para evitar o pai dele, porém, eu não podia descer as escadas e simplesmente sair pela porta do prédio — vai que eu topava com o pai dele? Então eu subi as escadas e fiquei espiando a porta, aflito.

Quando o pai dele apareceu e entrou no apartamento, eu sai correndo e fui para casa.