Todos já ouviram falar da famigerada composição 4′33″, de John Cage; o que poucos sabem é que os quatro minutos e trinta e três segundos da obra não são de silêncio, mas sim do ruído ambiente em que o músico se encontra. Quem estiver na plateia não vai ouvir um silêncio absoluto: vai ouvir o som das cadeiras, da respiração dos outros, da conversa cochichada, etc.

Menos pessoas ainda sabem do problema enfrentado pelas composições que incluem o chamado falso silêncio. Este aparece quando um som é produzido pelos músicos, mas ele é muito baixo para ser efetivamente escutado. O pioneiro do falso silêncio foi o compositor Gustav Mahler, grande influenciador da música clássica do século XX. A notação de Mahler para os trechos de falso silêncio era uma sequência de 14 pp, e suas instruções aos músicos era de que “eles deveriam tocar, deveriam ouvir, mas não deveriam ser ouvidos.”

Diferentemente da composição de John Cage, os trechos de falso silêncio apresentam dificuldades para se adaptarem à era digital. Isto porque, no ambiente analógico de um teatro, em princípio era sempre possível conseguir ouvir a música. Se todos ficassem muito quietos, se você tivesse um ouvido extremamente sensível, se o músico tocasse a nota com um pouquinho mais de intensidade… você seria capaz de ouvir. E o vinil, por ser um meio igualmente analógico, reproduz fielmente o som capturado: se a agulha fosse mais precisa, se as caixas de som fosse menos ruidosas… você ouviria as notas musicais.

A partir da introdução dos CDs, entretanto, o falso silêncio não pode mais ser reproduzido da mesma forma. Na música digital, a informação do som está toda ali, e a nota musical ou é tocada ou não é; não existe margem para interpretação. Desta forma, se a nota musical está presente no sinal digital ou se ela não está — em ambos os casos não se trata de falso silêncio, que é uma invenção genial de pura ambiguidade do grande mestre Mahler.

Alguns tentam recapturar a magia do falso silêncio com a alegação de que ferramentas sofisticadas de análise de sinais poderiam extrair as notas musicais, reintroduzindo a ambiguidade. Este tipo de tentativa, contudo, viola o espírito da técnica e não deve ser levado a sério.