Sobre o acordo ortográfico
2008-11-06
Esta semana decidi ler o famigerado acordo ortográfico que começa a valer no ano de 2009. Antes eu falava mal dele sem muita propriedade, mas agora estufo o peito para dizer: o acordo não serve para nada. Nadinha de nada. Dizem que o objetivo do acordo é unificar a ortografia dos países lusófonos. Pois bem; após ler o documento de 27 páginas, percebe-se que em vários momentos ele permite mais de uma forma para a mesma palavra, baseando-se para isso nas “pronúncias cultas” da língua. Portanto, senhoras e senhores, as seguintes palavras são válidas segundo o tal acordo:
- facto e fato;
- sector e setor;
- bónus e bônus;
- Vénus e Vênus;
- amámos e amamos;
- louvámos e louvamos;
- académico e acadêmico;
- fenómeno e fenômeno;
- António e Antônio.
Ora, como pode se falar em unificação ortográfica quando há uma infinidade de palavras cuja grafia difere no Brasil e em Portugal? Se as duas línguas são tão diferentes que seus falantes não conseguem estabelecer uma forma única para uma palavra como “fenómeno”, então talvez a própria proposta de unificar as ortografias não faça muito sentido.
Além de não unificar nada, o acordo ortográfico não tem princípio lingüístico nenhum. Em geral, a ortografia de uma língua ou é fonética ou então etimológica. A escrita atual do português é um balanço entre as duas, e esse acordo não a leva a nenhum outro lugar. Ao retirar o trema, por exemplo, o acordo afasta a ortografia do português do extremo fonético, mas de maneira nenhuma pode-se dizer que ele tem a intenção de basear a ortografia em princípios etimológicos.
Trata-se de um acordo ridículo, que não é bom para ninguém. Ou melhor, é bom para as editoras, que já disponibilizaram dicionários e gramáticas atualizados com essa obra-prima da estupidez.