Esses dias vi num prédio dos bombeiros escrito assim:

Vida alheia e riquezas a salvar

Percebi que era um decassílabo heroico e fiquei me perguntando se era proposital ou se era um heroico por acidente. Talvez não fosse por acidente, já que a ordem das palavras é poética; seria mais natural dizer algo do tipo “vidas e riquezas alheias a salvar”.

E descobri que não é por acidente. Ou mais ou menos.

De acordo com o TCC de Músicas e Artes Cênicas de Elias Corrêa da Veiga, Sérgio Luiz de Mattos, nascido em Portugal em 1883, bombeiro dos 20 anos até sua morte, sempre teve inclinações literárias e, agora segundo o Histórico do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas, em 1917 escreveu a letra para o Hino do Soldado do Fogo, cuja música foi composta por Antônio Pinto Júnior. Ainda segundo esse Histórico, o hino é adotado por todos os corpos de bombeiros do Brasil.

Este é o hino, segundo o TCC:

Contra as chamas e lutas ingentes
Sob o nobre alvirrubro pendão,
Dos soldados do fogo valentes,
É a paz, a sagrada missão.

E se um dia houver sangue e batalha.
Desfraldando a auriverde bandeira,
Nossos peitos são férreas muralhas,
Contra audaz agressão estrangeira.

Missão dupla o dever nos aponta:
Vida alheia e riquezas salvar
E, na guerra punindo uma afronta
Com valor pela pátria lutar.

Aurifulvo clarão gigantesco
Labaredas flamejam no ar
Num incêndio horroroso e dantesco,
A cidade parece queimar

Mas não temem da morte os Bombeiros
Quando ecoa d’alarme o sinal
Ordenando voarem ligeiros
A vencer o vulcão infernal.

Rija luta aos heróis aviventa,
Inflamando em seu peito o valor,
Para frente que importa a tormenta
Dura marcha de sóis ou rigor?

Nem um passo daremos atrás,
Repelindo inimigos canhões
Voluntários da morte na paz
São na guerra indomáveis leões.

De acordo com o Histórico, o verso “A cidade parece queimar” era, originalmente, “Todo o Rio parece queimar”, mas foi alterado para que pudesse ser usado fora do Rio de Janeiro, onde dizer que o rio parece queimar é estranho.

Nesse hino também está o verso sobre a missão dupla dos bombeiros:

Vida alheia e riquezas salvar

Mas o verso acima é um pouco diferente daquele que eu vi escrito; falta um “a”. E não é um decassílabo, é um eneassílabo. Todos os versos do poema são eneassílabos, na verdade, e todos com esquema rítmico 3-6-9, numa regularidade que harmoniza com o tema durão do hino.